quarta-feira, 27 de junho de 2018

As imagens Católicas, veneração ou idolatria?


Mas se não é verdade que cometemos idolatria, então por que usamos imagens?

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O uso de imagens e quadros religiosos em igrejas e dentro de casa é muito difundido desde tempos imemoriais. A questão das imagens sagradas costuma ser bastante polêmica; e na relação entre a Igreja e as pessoas que pretendem seguir a Cristo fora dela, a polêmica se acirra mais ainda, porque essas pessoas, entre muitos outros erros, acham que a Igreja católica adora imagens, o que não é verdade.

Para esclarecermos o assunto, vamos repassar a história sagrada. Comecemos observando que, no Antigo Testamento, era severamente proibido o culto a todo tipo de imagens ou representações plásticas da divindade.

O primeiro mandamento do decálogo afirma com palavras contundentes: “Não farás para ti outros deuses diante de mim. Não farás escultura nem imagem alguma… Não te prostrarás perante elas nem lhes darás culto, porque eu, Javé, teu Deus, sou um Deus cioso…”. (Ex 20, 3-5). Fica proibido, portanto, todo tipo de imagens apresentadas como divindade.

Esse mandamento começa dizendo: “Não farás para ti outros deuses diante de mim”. Ou, dito de outra maneira: “Não faças nenhum ídolo”. Apesar desta proibição tão clara, porém, e imediatamente depois de prometer que iria cumprir a lei, o povo fabrica um bezerro de ouro e o adora como se fosse um deus: “Este é o teu Deus, Israel, aquele que te tirou do Egito” (Ex 32,8). Era justamente contra isso que Deus tinha advertido o seu povo. E é por causa deste pecado de idolatria que Deus decide destruir o povo. Só a intercessão de Moisés consegue a piedade e o perdão de Deus (Ex 32, 1-14).  E Deus dá um alerta aos israelitas também quanto às imagens que eles venham a encontrar entre os povos pagãos: “Queimareis as esculturas dos seus deuses e não cobiçareis o ouro nem a prata que as recobrem” (Dt 7,25).

Naturalmente, esta proibição permanece de pé no Novo Testamento com a mesma intenção e com o mesmo objetivo. A Bíblia mostra que os cristãos também evitaram o uso de imagens que pudessem ser objeto de adoração. São Paulo diz, em seu discurso em Atenas: “Se somos estirpe de Deus, não podemos pensar que a divindade se pareça com imagens de ouro ou de prata ou de pedra, esculpidas pela destreza e pela fantasia de um homem” (At 17, 29). O apóstolo São João também declara: “Filhos meus, guardai-vos dos ídolos” (1 Jo 5,21). Para a Igreja nascente, é bem claro que a adoração deve ser tributada somente a Deus. Por isso, no Império Romano, muitos cristãos foram martirizados: por se recusarem a adorar os ídolos.

Agora, levemos em conta que os ídolos não são necessariamente esculturas ou imagens. Também há ídolos imateriais, sutis e muito capazes de nos absorver, nos quais nos refugiamos e colocamos a nossa vã segurança. São ídolos que conservamos bem escondidos em nosso íntimo: a ambição material, o desejo de celebridade, o afã de poder, a sexualidade desordenada, a ilusão de ser os únicos amos da nossa vida, algum pecado ao qual estamos especialmente apegados e muitos outros ídolos afins. Em todos os casos, qualquer ídolo nos afasta de Deus e nos distrai do nosso autêntico objetivo de vida: a salvação.

Qual é o motivo da proibição do Antigo Testamento?

A verdadeira razão dessa proibição é que Deus é o único Deus. Ele não se resigna a ser, por exemplo, o primeiro entre os deuses. Ele é o único. Por conseguinte, os deuses ou ídolos não são nada. Isaías ridiculariza os ídolos e aqueles que os adoram (Is 44, 9-20).

Era proibido representar a Deus com imagens para que as pessoas não achassem que Deus tivesse a forma de uma criatura ou fosse um objeto. No fundo, o mandamento zela pelo bem do povo, para que o próprio povo não se condene adorando um erro. O que não se aceita, portanto, é recorrer a objetos materiais e depositar neles a plena confiança que devemos ao Deus único, vivo e verdadeiro. Deus não é um ser material, mas uma realidade espiritual. Por isso é que o povo não pode adorar sequer representações materiais do verdadeiro Deus, porque corre o perigo de confundir o Deus verdadeiro com a imagem que o representa, chegando a crer que se trata de um Deus material.

Por que, então, existiram e existirão as imagens?

O que muitos desconhecem é que, assim como existe uma proibição de cultuar imagens (e já sabemos o porquê), também existe uma permissão de fazer imagens!

Vamos levar em consideração que a proibição se refere diretamente à adoração das imagens em si mesmas, e não ao simples fato de fazê-las para que elas sirvam apenas como sinal da presença de Deus. Neste sentido, Deus mesmo manda fazer coisas, objetos e imagens. É o caso da Arca da Aliança, com seus querubins de ouro e com o propiciatório também de ouro puro (Ex 25, 10-22). São elementos que não merecem as honras divinas: não podemos render culto a eles como se eles fossem Deus.

Mas o povo precisava (e precisa ainda) desses sinais sensíveis. Deus mandou construir aquele sinal da sua presença no meio do povo. Recorre-se à Arca de Deus para fazer oração porque ela é sinal da presença de Deus. Prova disso é que a própria tenda do encontro foi construída por ordem divina e estava cheia de imagens. O Templo de Jerusalém também as tinha. E fica claro que elas não violavam a proibição decretada por Deus.

Outro exemplo? A fabricação da serpente de bronze, que Deus ordena a Moisés: “Faz uma serpente de bronze e expõe-na sobre um mastro (o próprio Jesus Cristo menciona aquela serpente de bronze como símbolo dele mesmo). Todo aquele que for ferido e olhar para ela, viverá” (Num 21, 6-9). Naturalmente, não é que a serpente de bronze tivesse alguma virtude especial que a elevasse ao nível de divindade. Olhar para ela era um ato de fé e de confiança na Palavra que Deus tinha pronunciado. Tanto é que, mais adiante, o povo se desvia dessa intenção e passa a prestar culto à própria serpente. Nesse momento, Ezequias manda destruí-la (2 Re 18, 4).

São do Antigo Testamento os textos da Bíblia que proíbem fazer imagens e devem-se ao risco de o povo cair na idolatria, a exemplo dos povos vizinhos, que adoravam ídolos como se eles fossem deuses. Já os textos do Novo Testamento que falam dos ídolos se referem propriamente a ídolos adorados por pagãos, e não a simples imagens. O II Concílio Ecumênico de Niceia, por isso, no ano de 787, “justificou o culto das sagradas imagens…” (Catecismo da Igreja Católica, 2131).

O Deus do Antigo Testamento não tinha corpo, era invisível. Não podia ser representado por imagens. Mas a partir de quando Deus se revelou em forma humana, Cristo se tornou “a imagem visível do Deus invisível”, como diz São Paulo (Col 1,15). No Novo Testamento, a permissão de usar imagens que representam a divindade assume um caráter novo, graças ao fato da Encarnação do Filho de Deus. Deus continua sendo puramente espiritual, mas assumiu uma natureza humana, que é material. Por esta razão, é lógico representá-lo para lhe dar culto (Catecismo da Igreja Católica, 1159; 2129).  A representação de imagens de Cristo é completamente lícita, já que é a representação de alguém que é realmente Deus. O culto que damos a Jesus, portanto, olhando para uma imagem dele, não é de adoração à materialidade dessa imagem, mas à própria Divina Pessoa que nela está representada. E ao olharmos, por exemplo, para a imagem do Cristo crucificado, recordamos o muito que Ele sofreu por nós e nos sentimos movidos a amá-lo mais e a confiar mais nele.

Em qualquer dos casos, o cristão sabe que a imagem, embora represente Cristo, não é a divindade em si, e, por consequência, não se presta culto a essa materialidade. Uma imagem representa o Filho de Deus ou outras pessoas intimamente relacionadas com Ele: por isso é lícito representar com imagens a Virgem Maria e os santos. A imagem é simplesmente uma representação e uma lembrança daquelas pessoas: quando se ora diante de uma imagem, não se cultua o objeto, não se fala à materialidade da imagem, mas se rende culto a Deus (culto de latria), a Maria (culto de hiperdulia) ou aos santos (culto de dulia). Diz o II Concílio de Niceia, de 787 (sessão 7ª, 302): “A honra tributada à imagem se dirige a quem ela representa” (Denzinger, pág. 155).

Na Igreja, veneramos os santos porque eles merecem o nosso respeito, admiração e gratidão. Graças às suas imagens, nós os recordamos e, ao mesmo tempo, eles nos trazem à mente verdades religiosas de grande proveito espiritual, dizendo-nos algo relacionado com as suas vidas. Por exemplo, graças às imagens podemos recordar quem era o santo (leigo, religioso, bispo etc.), que virtude ele mais praticou (pureza, desapego, humildade etc.), o que o tornou santo (martírio, estudo, missão etc.). Assim também, ao vermos uma imagem da Mãe de Deus, vem à nossa memória que, no céu, nós temos uma mãe imaculada que nos ama, que intercede por nós e que nos incentiva a levar uma vida santa.

Quando vemos uma imagem das almas do purgatório, recordamos a realidade do purgatório e somos movidos a orar pelos falecidos. As imagens são uma espécie de retrato de entes queridos, a quem recordamos com respeito e carinho. Quando beijamos a foto dos nossos entes queridos que já partiram ou que estão longe, não é a foto em si o que estamos homenageando: estamos recordando, pensando e sendo carinhosos como os nossos entes queridos ali representados.

Há nos livros de história retratos de grandes personagens para que os leitores os conheçam e, caso tenham sido bons, admirem e imitem; não há nisso mal nenhum.

Em edifícios e praças públicas há estátuas de grandes heróis a cujos pés são colocadas flores. Quem critica este gesto? Quem afirma que todas as pessoas que praticam esse gesto estão “adorando imagens”? Sabemos que, na verdade, o que elas fazem é homenagear e recordar com respeito essas pessoas, dignas, para elas, de lembrança e de respeito.

Os santos, através das suas imagens, não são adorados, mas sim venerados. A adoração é reservada somente a Deus. Venerar, porém, é reconhecer o valor de alguém ou de algo que merece o nosso respeito. Nós veneramos os nossos pais e a nossa pátria, mas não os adoramos. Adoramos somente a Deus.

Um protestante me disse uma vez: “Mas ajoelhar-se diante das imagens é adoração”. Este é outro erro dos protestantes. Isto é o que eles acham. Quem pode ver o interior das pessoas e acusá-las de idolatria, fazendo um juízo temerário com base em aparências exteriores? Mesmo os mais humildes, no fundo do seu coração, sabem que uma imagem sagrada ou religiosa não é Deus, nem é o santo a quem eles querem prestar respeito. Mesmo uma criança, sem muito conhecimento religioso, entende, quando vê uma imagem, que se trata simplesmente de uma imagem.

Devemos recordar que o gesto de ficar de joelhos tem significados diferentes dependendo da intenção com que é realizado. Diante de uma imagem, é um ato de veneração a quem a imagem representa. Quando os anciãos de Israel se prostravam diante da Arca da Aliança, não se prostravam diante de uma caixa de madeira, mas diante de Deus, ali representado. Quando rezamos diante do sacrário ou diante de uma custódia, não rezamos para uma caixa ou para um objeto metálico: rezamos e adoramos a Deus, presente no sacramento da Eucaristia.

Externamente, poderia parecer que um gesto de veneração a uma imagem é semelhante ao de um pagão idólatra que adora a imagem por si mesma. Há, porém, uma diferença substancial. Qual? A intenção do coração e o significado da imagem para a pessoa. As imagens não têm, para nós, o mesmo significado que tinham para os pagãos; eles de fato as consideravam deuses. Nós não as adoramos; nós sabemos perfeitamente que as imagens são apenas representações, seja de Cristo, seja dos seus santos.

Não devemos tirar as coisas do seu contexto. O proibido é a adoração das imagens como ídolos em si mesmas. A própria palavra hebraica usada no primeiro mandamento da Lei de Deus é “pésel”, que significa “ídolo”. Na mesma língua, há outras palavras que se referem a outros tipos de imagens não idolátricas, como as decorativas ou representativas. Se uma imagem não é um ídolo, ela não representa problema algum e podemos manter os nossos templos cheios delas, tal como estava o Templo de Salomão, que foi visitado por Jesus sem que Ele fizesse qualquer objeção à presença dessas imagens.

Quando os fiéis beijam as relíquias de santos e tocam nas imagens, o que eles fazem? Expressam amor pelos intercessores ali representados e que são estímulo para a nossa vida cristã. Trata-se, é claro, de uma fé simples, como a daqueles que esperavam receber a graça da cura ao tocar nos lenços de São Paulo (At 19,12), ou como o bem conhecido caso da hemorroíssa que, ao tocar no manto de Jesus, ficou curada (Marcos 5,26-31). Alguém considera que essas pessoas foram curadas por lenços e mantos? Jesus mesmo não falou da fé como de um grão de mostarda? (Mt 17,20).

Outro protestante me disse um dia: “Se a Igreja retirasse todas as imagens dos templos, eu poderia considerar a possibilidade de voltar à comunhão com ela”.

Esta não parece ser a solução para os problemas que enfrentamos com as seitas. Não vamos destruir todas as imagens porque alguns protestantes interpretam mal os ensinamentos da Igreja ou as atitudes de um bom fiel.

A solução do problema é a catequese, para que se chegue à maturidade da fé com toda a sua liberdade interior.

O SIGNIFICADO DOS SANTOS HOJE  NUM MUNDO EM MUDANÇA

CONGREGAÇÃO PARA AS CAUSAS DOS SANTOS

REFLEXÃO DO CARDEAL JOSÉ SARAIVA MARTINS


O SIGNIFICADO DOS SANTOS HOJE
 NUM MUNDO EM MUDANÇA

 

1. "Para fazer de um homem um santo, só é necessária a Graça. Quem duvida disto não sabe o que é um santo, nem o que é um homem", observava Pascal com o seu esmero característico nos Pensamentos.Recorro a esta observação para indicar as duas perspectivas  destas  reflexões:   no  santo  convergem  a celebração de Deus (nomeadamente, da sua Graça) e a celebração do homem, nas suas potencialidades, nos seus limites, nas suas aspirações e nas suas realizações.

São conhecidas as inúmeras objecções que hoje se levantam contra o conceito de "santidade" e de "santo". Não poucas críticas são dirigidas à prática tradicional e ininterrupta da Igreja, de reconhecer e proclamar "santos" alguns dos seus filhos mais exemplares. Na grande relevância, também numérica, dada pelo Papa João Paulo II às beatificações e canonizações durante o seu Pontificado, houve quem insinuasse a existência de uma estratégia expansionista da Igreja católica.

Para outros, a proposta de novos beatos e santos, tão diversificados por categorias, nacionalidades e culturas, seria apenas uma operação de marketing da santidade, com finalidades de liderança do Papado na sociedade civil contemporânea. Por fim, há quem veja nas canonizações e no culto dos santos um resíduo anacrónico de triunfalismo religioso, alheio e até contrário ao espírito e à orientação do Concílio Vaticano II, que realçou com muita força a vocação à santidade de todos os cristãos.

Evidentemente, uma leitura apenas sociológica do nosso tema corre o risco de ser não só redutiva, mas também desviante da compreensão deste fenómeno, tão  característico  da  Igreja católica.

2. Na Carta Apostólica Novo millennio ineuntea Carta que o Papa João Paulo II entregou à Igreja no encerramento do Grande Jubileu do Ano 2000, fala-se com um profundo realce do tema da santidade. No "grande exército de santos e de mártires", que inclui "Sumos Pontífices, bem conhecidos da história, ou humildes figuras de leigos e de religiosos, de um extremo ao outro do globo observou o Papa João Paulo II, no n. 7 da Carta a santidade pareceu mais do que nunca a dimensão que melhor exprime o mistério da Igreja. Mensagem eloquente, que não tem necessidade de palavras, ela representa ao vivo o rosto de Cristo".

Para compreender a Igreja, é necessário conhecer os santos, que são o seu sinal e o seu fruto mais amadurecido e eloquente. Para contemplar o rosto de Cristo nas mutáveis e diversas situações do mundo contemporâneo, é preciso olhar para os santos que "representam profundamente o rosto de Cristo" (Ibidem), como nos recorda o Papa. A Igreja deve proclamar santos e há-de fazê-lo em nome daquele anúncio da santidade que a enche e a transforma precisamente em instrumento de santidade no mundo.

"Deus manifesta de forma viva aos homens a sua presença e o seu rosto na vida daqueles que, embora possuindo uma natureza igual à nossa, se transformam mais perfeitamente na imagem de Cristo (cf. 2 Cor 3, 18). Neles é Deus quem nos fala e nos mostra um sinal do seu reino (...) para o qual somos fortemente atraídos, ao vermos tão grande nuvem de testemunhas que nos envolve (cf. Hb 12, 1) e tais provas da verdade do Evangelho" (Lumen gentium, 50). Neste trecho da Lumen gentium encontramos a profunda razão do culto aos beatos e santos.

3. A Igreja realiza a missão que lhe foi confiada pelo Mestre divino, de ser instrumento de santidade através dos caminhos da evangelização, dos sacramentos e da prática da caridade. Esta missão recebe uma notável contribuição de conteúdos e de estímulos espirituais, também da proclamação dos beatos e santos, porque eles mostram que a santidade é acessível às multidões, que a santidade pode ser imitada. Com a sua existência pessoal e histórica, eles fazem experimentar que o Evangelho e a vida nova em Cristo não são uma utopia ou um mero sistema de valores, mas "fermento" e "sal", capazes de fazer viver a fé cristã dentro e fora das várias culturas, regiões geográficas e épocas históricas.

"O futuro dos homens observava o saudoso Cardeal Giuseppe Siri nunca é claro, porque todos os seus pecados corroem todos os caminhos da história e levam a uma dialéctica cheia de causas e de efeitos, de erros e de vinganças, de explosões e de interrupções. A certeza de que os santos continuarão a acompanhar os homens é uma das poucas garantias do futuro" (Il primato della verità, pág. 154.).

4. O fenómeno dos santos e da santidade cristã cria um sentido de admiração que nunca esmoreceu na vida da Igreja e que não pode deixar de surpreender até um observador laico atento, sobretudo hoje, num mundo que muda contínua e rapidamente, num mundo fragmentado sob o ponto de vista cultural, tanto a nível de valores como de costumes. É da admiração que deriva a pergunta:  o que é que faz com que a fé encarne em todas as latitudes, nos diversos contextos históricos, entre as mais variadas categorias e estados de vida? Como é possível que, sem dinamismos de poder, impositivos ou persuasivos que sejam, e sem dinamismos de uniformidade, existam tantos santos, tão diferentes entre si e em tal harmonia com Cristo e com a sua Igreja? O que é que leva à livre assunção do núcleo germinativo cristão, que depois desenvolve tanta diversidade e beleza na unidade da santidade? Como é diferente a globalização, de que hoje se fala com tanta frequência, da catolicidade ou universalidade da fé cristã e da greja, que essa fé vive, conserva e difunde!

Aquele internacionalismo do catolicismo, que não é procurado com vista ao poder, mas ao serviço e à salvação, é confirmado pelos santos e pelas santas que pertencem aos mais diversos contextos de referência histórica, mas viveram a mesma fé. Este internacionalismo confirma que a santidade não tem limites e que não morreu na Igreja mas, pelo contrário, continua a ser de profunda actualidade. O mundo muda, mas os santos, embora também mudem com o mundo que se transforma, representam sempre o mesmo rosto vivo de Cristo. Não existe nisto, porventura, um indício inconfundível da vitalidade peculiar, metacultural e meta-histórica para nós, católicos, "sobrenatural" é a palavra justa do anúncio e da Graça cristã?

5. Neste contexto de pensamentos, é interessante fazer uma observação sobre o modo como a Igreja católica reconhece e proclama os beatos e os santos. Refiro-me em particular ao trabalho da Congregação para as Causas dos Santos, chamada a estudar e reconhecer a santidade e os santos através de um procedimento minucioso e sábio, consolidado, renovado e renovável no tempo.

Os santos e a santidade são reconhecidos com um movimento que parte de baixo para cima. Ainda hoje, é o próprio povo cristão que, reconhecendo por intuição da fé a "fama de santidade", indica ao seu Bispo titular da primeira fase do processo de canonização os candidatos à canonização e, em seguida, à Congregação competente da Santa Sé. Nem a Congregação para as Causas dos Santos, nem o Papa, "inventam" ou "fabricam" os santos. Como todos os cristãos sabem, isto é obra do Espírito Santo. Que este mesmo Espírito como diz o Evangelho "sopra onde quer", é uma constatação a que estamos habituados desde há séculos, e hoje muito mais, uma vez que a Igreja está espalhada em todas as partes do mundo e em todas as camadas sociais.

Assim, deve reconhecer-se que o Papa João Paulo II fez da proclamação de novos beatos e santos uma autêntica e constante forma de evangelização e de magistério. Ele quis acompanhar a pregação das verdades e dos valores evangélicos com a apresentação de santos que viveram aquelas verdades e aqueles valores de modo exemplar. Durante o seu Pontificado, e, portanto, desde 1978 até hoje, João Paulo II beatificou 1.299 pessoas, 1.029 das quais são mártires, e canonizou 464 beatos, 401 dos quais encontraram a morte no martírio. Os leigos elevados às honras dos altares são também muito mais do que geralmente se pensa:  com efeito, trata-se de 268 beatos e de 246 santos, 514 no total.

Para alguns, eles são muitos; para outros, poucos.

No que diz respeito ao número de santos, o Papa João Paulo II não ignora o parecer de quem considera que eles são demasiados. Pelo contrário, fala disto explicitamente. Eis a resposta do Papa a este propósito:  "Às vezes diz-se que hoje há demasiadas beatificações. Mas isto, além de reflectir a realidade, que por graça de Deus é aquela que é, corresponde também ao desejo expresso pelo Concílio. O Evangelho espalhou-se de tal maneira no mundo e a sua mensagem mergulhou as suas raízes de modo tão profundo, que o elevado número de beatificações reflecte precisamente de modo vivo a acção do Espírito Santo e a vitalidade que dele brota no campo mais essencial para a Igreja, o da santidade. Com efeito, foi o Concílio que realçou de forma particular a vocação universal à santidade" (Discurso de abertura do Consistório, em preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, 13 de Junho de 1994).

Na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, o Papa João Paulo II escreveu:  "Nestes anos, foram-se multiplicando as canonizações e as beatificações. Elas manifestam a vivacidade das Igrejas locais, muito mais numerosas hoje do que nos primeiros séculos e no primeiro milénio. A maior homenagem que todas as Igrejas prestarão a Cristo no limiar do terceiro milénio, será a demonstração da presença omnipotente do Redentor, mediante os frutos de fé, esperança e caridade em homens e mulheres de tantas línguas e raças, que seguiram Cristo nas várias formas da vocação cristã" (n. 37).

Além disso, na Carta Apostólica Novo millennio ineunteo Papa observa:  "Os caminhos da santidade são variados e apropriados à vocação de cada um. Agradeço ao Senhor ter-me concedido, nestes anos, beatificar e canonizar muitos cristãos, entre os quais numerosos leigos que se santificaram nas condições ordinárias da vida" (n. 31).

Sem dúvida, tantas beatificações e canonizações são também um sinal da capacidade de inculturação da vida da fé cristã e da Igreja.

6. Por fim, gostaria de me debruçar sobre a contribuição cultural oferecida pelos santos, pelo seu culto e pelo ardente e sério trabalho de estudo que precede e que se segue à sua canonização.
O Concílio Vaticano II pediu que uma "cuidadosa investigação histórica, teológica e pastoral" acompanhasse a proposta do culto dos santos (cf. Sacrosanctum concilium, 23). Esta indicação já encontrou a Congregação para as Causas dos Santos preparada e, hoje, plenamente experimentada.

O cuidado pela verdade histórica esteve sempre presente no trabalho da Congregação para as Causas dos Santos. Já num "Decreto" de Pio X, de 26 de Agosto de 1913, mais tarde inserido no Código de Direito Canónico de 1917, pedia a reunião e o estudo de todos os documentos históricos relativos às causas. Mas a novidade fundamental foi apresentada pelo Motu Proprio "Já há algum tempo", de 6 de Fevereiro de 1930, com que o Papa Pio XI instituiu na Congregação dos Ritos a "Secção histórica", com a tarefa de oferecer a contribuição eficaz para a abordagem das causas "históricas", ou seja, das que não contavam com testemunhas contemporâneas relativas às mesmas causas. O serviço prestado pela "Secção histórica", em seguida denominada como "Departamento histórico-hagiográfico", foi alargado a todas as causas, mesmo às mais "recentes", aumentando a sensibilidade histórico-crítica a todos os níveis e em todas as fases do processo.

Finalmente, a Constituição Apostólica Divinus perfectionis magister, de 25 de Janeiro de 1983, seguida das Normae servandae, do dia 7 de Fevereiro de 1983, sancionou definitivamente a contribuição determinante do método e da qualidade histórica na abordagem das causas dos santos.

A verdade histórica, tão diligentemente procurada por motivos teológicos e pastorais, traz muitos benefícios também à apresentação cultural dos santos. Os novos beatos e santos "saíram da sacristia" para serem estudados e apresentados também como personagens historicamente significativas, no contexto da vida da sua Igreja, da sua sociedade e do seu tempo. Assim, não interessam mais unicamente à Igreja e aos fiéis, mas a todos aqueles que se ocupam da história, da cultura, da vida civil, da política, da pedagogia, etc. Desta maneira, a missão destes extraordinários homens de Deus continua de maneira diversa, mas em todo o caso eficaz para o bem de toda a sociedade.

A este propósito, é significativo o facto de que o Arquivo da Congregação para as Causas dos Santos já não é frequentado somente por "pessoas interessadas pelo trabalho eclesiástico", mas também por estudiosos leigos que recorrem ao mesmo para a redacção das suas teses de licenciatura, para estudos históricos, de pedagogia, de sociologia, etc., porque ali encontram um material abundante e historicamente credível.

7. Portanto, com o seu valor particular, a santidade diz respeito também à cultura. Os santos permitiram que se criassem novos modelos culturais, novas respostas aos problemas e aos grandes desafios dos povos e novos desenvolvimentos de humanidade no caminho da história. A herança dos santos "é uma herança que não se deve perder insistiu muitas vezes o Santo Padre mas fazer frutificar num perene dever de gratidão e num renovado propósito de imitação" (Novo millennio ineunte7).

Os santos são como faróis; eles indicaram aos homens as possibilidades de que o ser humano dispõe. Por isso, são interessantes também do ponto de vista cultural, independentemente da abordagem cultural, religiosa e de estudo com que nos aproximemos deles. Um grande filósofo francês do século XX, Henry Bergson, observou que "as maiores personagens da história não são os conquistadores, mas os santos". E Jean Delumeau, um historiador do catolicismo de Quinhentos, convidava a verificar como os grandes impulsos da história do cristianismo foram caracterizados por um retorno às fontes, isto é, à santidade do Evangelho, suscitada pelos santos e pelos movimentos de santidade na Igreja.

Nos últimos anos, o Cardeal Joseph Ratzinger afirmou justamente que "não são as maiorias ocasionais que se formam aqui ou ali na Igreja, que decidem o seu e o nosso caminho. Eles, os santos, são a verdadeira e determinante maioria, segundo a qual nos orientamos. É a ela que aspiramos! Eles traduzem o divino no humano, o eterno no tempo".

8. Num mundo que se transforma, os santos não só não permanecem marginalizados histórica ou culturalmente, mas parece que devo concluir estão a tornar-se sujeitos ainda mais interessantes e credíveis.

Numa época de crise das utopias colectivas, num período de desconfiança e de incredulidade em relação ao que é teórico e ideológico, está a nascer uma nova atenção para com os santos, figuras singulares em que se encontra não uma nova teoria e nem sequer simplesmente uma moral, mas um desígnio de vida a narrar, a descobrir através do estudo, a amar com devoção e a realizar mediante a imitação.

Só podemos alegrar-nos com este despertar de atenção para com os santos, porque eles são de todos, constituem um património da humanidade que progride para além de si mesma, num desenvolvimento que, enquanto honra o homem, também dá glória a Deus, porque "o homem vivo é a glória de Deus" (Santo Ireneu de Lião).

Quero ler tudo o que considerámos até aqui, à luz de uma mensagem, verdadeiramente fascinante, do Santo Padre João Paulo II que, na minha opinião, pode dar, a quem reflectir sobre este tema, pelo menos uma ideia da visão do Sumo Pontífice sobre a santidade, inseparavelmente vinculada à dignidade baptismal de cada cristão e, por conseguinte, explicar melhor também o papel das beatificações e canonizações no caminho pastoral da Igreja, nestes vinte e cinco anos de Pontificado de Karol Wojtyla. A mensagem é a que foi enviada para o dia mundial de oração pelas vocações de 2002:  "A primeira tarefa da Igreja é acompanhar os cristãos pelos caminhos da santidade (...) a Igreja é "a casa da santidade" e a caridade de  Cristo,  derramada  pelo  Espírito Santo, constitui a sua alma" (Acta Apostolicae Sedis, vol. XCIV, 3 de Maio de 2002, n. 5).

Por conseguinte, na Igreja tudo, e cada uma das vocações em particular, está ao serviço da santidade! E é indubitavelmente neste sentido que, quando olhamos para a Igreja, jamais devemos esquecer de ver nela o rosto da "mãe dos santos", que gera santidade com fecundidade e generosidade superabundantes.

 

Momento de reflexão

Beato Columba Marmion (1858-1923)

Abade

A união com Deus em Cristo nas cartas de D. Marmion

«Pelos frutos os conhecereis».

Em todas as almas, há três espíritos que tendem a dominar. O espírito de falsidade e de blasfémia, que, desde o princípio, sugere sempre o contrário do que Deus sopra ao ouvido. O espírito do mundo, que nos inclina a julgar as coisas segundo as máximas da prudência carnal; ora, «a prudência deste mundo é loucura aos olhos de Deus» (1Cor 3,19). E há o Espírito de Deus, que nos inspira constantemente a elevarmos o coração acima da natureza («sursum corda») e a vivermos da fé («o meu justo vive da fé», Heb 10,38). Este Espírito inclina-nos sem cessar para uma fé que ama e para o abandono nas mãos de Deus. Ele enche-nos «de paz e de alegria na fé» (Rom 15,13) e produz os frutos a que se refere São Paulo. E Nosso Senhor afirma: «conhecereis este Espírito pelos frutos que produzir na vossa alma». Recomendo-vos uma grande fidelidade aos movimentos do Espírito Santo. O vosso batismo e a vossa confirmação estabeleceram-no como uma fonte viva na vossa alma. Escutai os seus sussurros e expulsai rapidamente as outras inspirações. Se mantiverdes esta fidelidade, a pouco e pouco, este Espírito tornar-se-á o vosso guia e conduzir-vos-á com Ele ao seio de Deus.

Leituras do dia

Quarta feira da Semana XII do Tempo Comum

PRIMEIRA LEITURA
2 Reis 22, 8-13; 23, 1-3


«O rei leu as palavras do Livro da Aliança, encontrado no templo do Senhor e concluiu uma aliança diante do Senhor»


Leitura do Segundo Livro dos Reis


Naqueles dias, o sumo sacerdote Helcias disse ao secretário Safã: «Encontrei no templo do Senhor o Livro da Lei». 
E Helcias entregou o livro a Safã, que o leu. O secretário Safã foi ter com o rei Josias e deu-lhe contas da missão recebida, dizendo: «Os teus servos juntaram o dinheiro que estava no templo e entregaram-no aos empreiteiros encarregados das obras no templo do Senhor». Depois o secretário Safã informou o rei, dizendo: «O sacerdote Helcias entregou-me um livro». E Safã leu-o diante do rei. Quando ouviu ler as palavras do Livro da Lei, o rei Josias rasgou as suas vestes e deu esta ordem ao sacerdote Helcias, a Aicam, filho de Safã, a Acbor, filho de Miqueias, ao secretário Safã e a Asaías, ministro do rei: «Ide consultar o Senhor em meu nome, em nome do povo e de todo o reino de Judá, acerca das palavras deste livro que foi encontrado. A ira do Senhor deve ser grande contra nós, porque os nossos pais não obedeceram às palavras deste livro, cumprindo tudo o que nele está escrito». Então o rei convocou todos os anciãos de Judá e de Jerusalém. Depois subiu ao templo do Senhor, com todos os homens de Judá e todos os habitantes de Jerusalém: os sacerdotes, os profetas e todo o povo, crianças e adultos. Leu-lhes as palavras do Livro da Aliança, encontrado no templo do Senhor. Em seguida, o rei, de pé sobre o estrado, renovou a Aliança diante do Senhor, comprometendo-se a seguir o Senhor e a guardar os seus mandamentos, ordens e preceitos, com todo o coração e com toda a alma, para cumprir as palavras da Aliança escritas no livro. E todo o povo aderiu à Aliança.

Palavra do Senhor.


SALMO RESPONSORIAL
Salmo 118 (119), 33-34.35-36.37 e 40 (R. 33a)


Refrão: Mostrai-me, Senhor, o caminho da vossa lei. Repete-se


Ensinai-me, Senhor, o caminho dos vossos decretos
para ser fiel até ao fim.
Dai-me entendimento para guardar a vossa lei
e para a cumprir de todo o coração. Refrão

Conduzi-me pela senda dos vossos mandamentos,
pois nela estão as minhas delícias.
Inclinai o meu coração para as vossas ordens
e não para o vil interesse. Refrão

Desviai os meus olhos das vaidades
e fazei-me viver nos vossos caminhos.
Vede como amo os vossos preceitos,
fazei-me viver segundo a vossa justiça. Refrão


ACLAMAÇÃO AO EVANGELHO
Jo 15, 4a.5b


Refrão: Aleluia Repete-se

Permanecei em Mim e Eu em vós, diz o Senhor:
quem permanece em Mim dá muito fruto. Refrão


EVANGELHO
Mt 7, 15-20


«Pelos frutos os conhecereis»


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus


Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Acautelai-vos dos falsos profetas, que andam vestidos de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos frutos os conhecereis. Poderão colher-se uvas dos espinheiros ou figos dos cardos? Assim, toda a árvore boa dá bons frutos e toda a árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má dar bons frutos. Toda a árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo. Portanto, pelos frutos os conhecereis».

Palavra da salvação.