sexta-feira, 29 de março de 2019

São Paulo - Carta aos Romanos


Curso Básico de Teologia
Sagrada Escritura III




São Paulo
“A Justificação pela Fé”



Fernando Ilídio Maia Botelho da Silva
Porto, 2016









índice


Introdução
Carta aos Romanos - Contextualização
A Justificação pela Fé
Caraterísticas e resultados da justificação
Conclusão
Bibliografia







Introdução


A mais importante porção dos escritos apostólicos encontra-se, com toda a certeza, nas cartas do Apóstolo Paulo. As cartas apostólicas, como um todo, constituem num importantíssimo segmento do ensinamento neotestamentário, porque são um vasto celeiro de ensinamentos teológicos, doutrinários e morais. Marcam o momento em que a igreja sistematizou o conhecimento de Deus, até então expresso nos livros do Antigo Testamento, e desenvolveu, inclusive a partir da nova ótica trazida por Jesus Cristo, uma nova compreensão da forma como deveria relacionar-se com o Pai. Surge, neste período, de forma mais clara e didática, a doutrina da Trindade, os temas do amor de Deus, do chamado dos gentios, da salvação pela fé em Jesus Cristo, da ressurreição dos mortos, da vida eterna e tantos outros.
As cartas de Paulo, por sua vez, compreendem mais da metade de todo esse legado da igreja primitiva, e estão entre os mais importantes documentos que nos têm chegado às mãos.
Na sua grande maioria, tratam-se de escritos ocasionais, ou seja, nasceram da necessidade sentida pelo Apóstolo de intervir em alguma situação eclesiástica, onde não poderia fazê-lo pessoalmente. Ora, apresentava-se o caso de argumentar dúvidas doutrinárias, ora apaziguavam-se litígios, ora recomendavam-se ações, providências e posturas a discípulos, ou mesmo apresentava-se a compreensão que o Apóstolo tinha do plano salvífico de Deus, como forma de apresentação pessoal, anteriormente a uma visita.
Paulo não escrevia de seu próprio punho, conforme era costume dos escritores antigos. Antes, ditava-as a um servo de sua confiança. No final, o Apóstolo anexava as suas saudações finais de punho próprio.
Dentre as cartas de Paulo, certamente, a Carta aos Romanos ocupa lugar de destaque. Alguém já a chamou de “evangelho dentro do evangelho”, dado à forma linear, sistemática, profunda e completa pela qual o seu autor expõe a sua compreensão do plano da salvação. Neste trabalho dar-se á especial relevância ao tema a “Justificação pela Fé” e a todas as suas características.


Carta aos Romanos - Contextualização


Paulo estava animado com a ideia de finalmente poder ministrar a igreja, e todos estavam bem conscientes desse fato (Romanos 1:8-15). A carta aos Romanos foi escrita em Corinto pouco antes da viagem de Paulo a Jerusalém para entregar as ofertas que haviam sido dadas aos pobres de lá. Ele tinha a intenção de ir a Roma e depois a Espanha (Romanos 15:24), mas os seus planos foram interrompidos quando foi preso em Jerusalém. Ele acabaria por ir para Roma como prisioneiro. Febe, um membro da igreja em Cencreia perto de Corinto (Romanos 16:1), provavelmente levou a carta para Roma.
 O livro de Romanos fala-nos sobre Deus, quem Ele é e o que tem feito. Ele fala de Jesus Cristo, e o que sua morte alcançou. Ele fala-nos sobre nós mesmos, o que éramos sem Cristo e quem somos depois de termos confiado em Cristo. Paulo recorda que Deus não exige que os homens endireitem suas vidas antes de virem a Cristo. Enquanto éramos ainda pecadores, Cristo morreu na cruz por nossos pecados.

 Paulo usa várias pessoas e eventos do Antigo Testamento como ilustrações das gloriosas verdades encontradas no livro de Romanos. Abraão acreditou e a justiça foi-lhe imputada pela sua fé, e não pelas suas obras (Romanos 4:1-5). Em Romanos 4:6-9, Paulo refere-se a David, o qual reiterou a mesma verdade: "Bem-aventurados aqueles cujas iniquidades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos; bem-aventurado o homem a quem o Senhor jamais imputará pecado." Paulo usa Adão para explicar aos Romanos a doutrina do pecado herdado e usa a história de Sara e Isac, o filho da promessa, para ilustrar o princípio dos cristãos sendo os filhos da promessa da graça divina através de Cristo. Nos capítulos 9 a 11, Paulo narra a história da nação de Israel e declara que Deus não os rejeitou completamente e definitivamente (Romanos 11:11-12), mas permitiu-lhes "tropeçar" somente até que o número total dos gentios seja trazido à salvação.




A Justificação pela Fé

Quando se questiona: "A salvação vem somente pela fé ou pela fé mais as obras?"

 Sabemos desde cedo que esta talvez seja a mais importante pergunta em toda a Teologia Cristã. Esta pergunta motivou a Reforma: a separação entre a Igreja Protestante e a Igreja Católica. Nesta pergunta está a diferença crucial entre o Cristianismo Bíblico e a maioria dos cultos “Cristãos”. A salvação dá-se somente pela fé ou pela fé mais as obras? Sou salvo apenas por crer em Jesus ou tenho que crer em Jesus e fazer certas “obras”?
A questão da fé somente, ou fé mais as obras faz-se difícil por causa de algumas passagens bíblicas de difícil correlação. Comparemos Romanos 3:28, 5:1 e Gálatas 3:24 com Tiago 2:24. Há quem veja alguma diferença entre Paulo (a Salvação vem somente pela fé) e Tiago (a Salvação vem pela fé mais as obras). Na verdade, Paulo e Tiago, de maneira alguma, discordam entre si. O único ponto de discordância que alguns afirmam existir é a respeito da relação entre fé e obras. Paulo dogmaticamente diz que a justificação se dá somente pela fé (Efésios 2:8-9) enquanto Tiago aparentemente diz que a justificação é pela fé mais as obras. Este aparente problema é resolvido ao examinarmos com precisão sobre o que Tiago discorre. Ele nega a crença de que a pessoa possa ter fé sem produzir quaisquer boas obras (Tiago 2:17-18). Tiago está assim, a enfatizar o argumento de que a fé genuína em Cristo produzirá uma vida transformada e boas obras (Tiago 2:20-26). Tiago não está com isto a dizer que a justificação se dá pela fé mais as obras, mas, ao invés disso, diz que a pessoa que é verdadeiramente justificada pela fé produzirá boas obras durante a sua vida. Se uma pessoa afirma ser crente, mas não produz boas obras na sua vida - então ela provavelmente não tem fé genuína em Cristo (Tiago 2:14, 17, 20, 26).
Paulo escreve o mesmo. O bom fruto que os crentes devem produzir nas suas vidas é citado em Gálatas 5:22-23. Logo depois de nos dizer que somos salvos pela fé, não por obras (Efésios 2:8,9), Paulo informa-nos que fomos criados para as boas obras (Efésios 2:10). Paulo espera tanto de uma vida transformada quanto Tiago. “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (II Coríntios 5:17)! Tiago e Paulo não discordam nos seus ensinamentos sobre a salvação. Eles abordam o mesmo assunto sob diferentes prismas. Paulo simplesmente enfatizou que a justificação vem somente pela fé enquanto Tiago enfatizou o fato de que a fé em Cristo produz boas obras. Em última análise podemos dizer que ambas andam de braço dado no que diz respeito á nossa salvação.




Caraterísticas e resultados da justificação


Na Carta aos Romanos, no verso 21 do capítulo 3, Paulo afirma que o processo de salvação, concebido por Deus, independentemente da lei, já era conhecido no Antigo Testamento (lei e profetas). Para demonstrar este argumento, ele escolhe alguém que, se pudesse ser justificado por obras, o seria, com toda certeza: Abraão. Ora, diz o Autor, se Abraão foi justificado por alguma coisa boa que tenha feito, isto deve ser motivo de orgulho para ele, porque a sua justificação seria uma espécie de pagamento a que teria direito. Mas não é — conclui Paulo — porque a Escritura diz que Abraão foi justificado pela fé, e não pelas obras.
6-8 Precisamos de mais um exemplo de que a justificação sempre foi obtida pela fé? Então escolhamos outro que teria todas as condições de obtê-la por obras: David, que foi considerado um homem “segundo o coração de Deus” Paulo, então, demonstra que David também confiava na graça de Deus para a sua justificação.
9-12 Paulo volta a Abraão para demonstrar que não há ligação entre a circuncisão (sinal da lei) e a justificação. Faz isto, lembrando que o Patriarca foi justificado pela fé, muito antes de ter recebido o sinal da circuncisão. Na verdade, aquele rito foi consequência, selo da fé, e não causa (cf. 11).
13 Justiça da fé. Paulo refere-se ao processo justificador daquele que não confia nas suas próprias capacidades, mas sim naquele que torna justo ao ímpio (v. 5).
22 Imputado. Pode ser entendido como a figura de um depósito em conta. Isto lhe foi creditado como condição justificadora. Quer dizer que esta fé foi levada em conta (v. 25) por Deus.
25 Por causa...justificação. Encerra-se, aqui, o argumento do tema apresentado em 1:17: “aquele que pela fé é justo...viverá”. Esse argumento visou demonstrar a justiça de Deus, também como um processo por ele proposto para a justificação do pecador: Por um lado, sua justiça condena o pecado; por outro, ela se derrama em graça e torna justo o pecador, mediante a fé em Jesus Cristo.


A Justificação de Abraão (Romanos 4:1-25)

Como podemos ver, Paulo encerrou o capítulo 3 com a afirmação que a fé confirma e não anula a lei. Ele continua o seu argumento, citando o exemplo do pai do povo da aliança, Abraão. Todos os judeus respeitavam profundamente o pai da sua nação. Mostrando que Abraão foi justificado por fé, e não por obras de lei, Paulo reforça a sua defesa do evangelho entre os judeus. Vejamos em pormenor.

Abraão justificado pela fé (1-8)

Abraão foi justificado por obras de mérito, recebendo o salário justo pelas suas obras? Não! Deus aceitou a sua fé no lugar de perfeita justiça. Assim, Abraão recebeu o favor (graça) de Deus, e não recebeu um salário devido por serviço prestado ao Senhor (1-4). Quando a pessoa confia em Deus, crendo que ele justifica o ímpio, Deus aceita a fé no lugar da justiça (5).
David, outro homem muito respeitado entre os judeus, entendeu que um homem abençoado é aquele que recebe o benefício da graça de Deus, o perdão dos seus pecados (6-8). Lembramos que Paulo citou vários salmos para mostrar a culpa do homem (3:10-18); agora cita o salmista para mostrar a dependência de todos na graça de Deus.

Gentios salvos pela fé (9-15)

O pai dos judeus foi justificado pela fé. Como, então, os gentios seriam justificados? Pela lei? Não! Eles também podem ser salvos pela fé.
A circuncisão não salva (9-12). Abraão recebeu a graça de Deus pela fé antes de ser circuncisado (veja Génesis 12, onde recebeu as promessas, e Génesis 17, onde recebeu a ordenança da circuncisão 24 anos depois). A circuncisão por si só não serve para nada diante de Deus. É necessária a obediência, andando “nas pisadas da fé que teve Abraão...antes de ser circuncidado” (12).
A lei não salva (13-15). Nem Abraão nem a sua descendência receberam o favor de Deus mediante a lei. Se a herança pertencia exclusivamente aos da lei, a promessa e a fé seriam anuladas (compare-se Gálatas 3:16-18). A lei suscita a ira (15), trazendo conhecimento do pecado (3:20) e encerrando tudo sob o pecado (Gálatas 3:22). Vemos mais sobre isso a partir de 5:13.

Pai daqueles que creem (16-25)

Abraão é o pai de todos os que creem, e não apenas daqueles que receberam a lei (16-20). O mesmo Deus que levantou uma nação a um homem “amortecido” (19; Hebreus 11:12) poderá levantar uma nação santa de povos já considerados mortos pelos judeus. (O mesmo texto que traz a ordem original da circuncisão, também inclui a promessa ao velho Abraão que seria pai do filho da promessa, e que seria pai de muitas nações – Génesis 17).
Abraão acreditou, mesmo nas promessas que pareciam impossíveis, porque confiou em Deus Todo-Poderoso (20-21). Deus aceitou a fé de Abraão como justiça (22).
O mesmo princípio se aplica a todos os que creem nas promessas “impossíveis” de Deus, especificamente na ressurreição de Jesus Cristo (23-25). Ele foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitado por causa da nossa justificação.
As nossas transgressões causaram a morte de Jesus. Neste sentido, a nossa justificação, feita pelo sacrifício d´Ele, “causou” a sua ressurreição. Uma vez cumprida a sua missão, Ele foi ressuscitado de entre os mortos, mostrando para todos a base da esperança dos crentes.

Conclusão


A carta aos Romanos deixa, grosso modo, claro, que só através da nossa fé em Cristo Jesus e da graça misericordiosa de Deus nosso Pai podemos ser salvos. Deus expressou a sua graça e misericórdia ao enviar o Seu filho, Jesus Cristo, para morrer na cruz para expiação dos nossos pecados. Quando entregamos as nossas vidas a Cristo, não somos mais controlados pela nossa natureza pecaminosa, mas pelo Seu Espírito Santo. Se fizermos a confissão de que Jesus Cristo é o nosso Senhor, e acreditarmos verdadeiramente que Ele ressuscitou dos mortos, somos salvos, nascidos de novo. Precisamos de viver uma vida oferecida a Deus como sacrifício vivo para Ele. A adoração do Deus que nos salvou, através do Seu filho único, deve ser o nosso maior desejo. Talvez a melhor aplicação de Romanos seria a execução prática de Romanos 1:16 “e não nos envergonharmos do evangelho. Em vez disso, vamos todos ser fiéis em proclamá-lo!”



Bibliografia


ARTOLA, Antonio M., CARO, José Manuel Sánchez, Escritos Paulinos, vol.7, Editorial Verbo Divino, Espanha, 1995;
Bíblia Sagrada, Capuchinhos, Lisboa, 1999;
ECHEGARAY, J. Gonzáçez et al, La Biblia en su entorno, vol.1, Editorial Verbo Divino, Espanha, 1999;
MARTINS, António et al, S. Paulo, Apóstolo da Palavra, Difusora Bíblica, Fátima, 2008;
O’CONNOR, Jerome Murphy, Paulo, 2ªEd., Editorial Paulinas, Prior Velho, 2008.